Indumentária ritual do povo Tupinambá, este belíssimo manto emplumado faz parte da Coleção “Os Primeiros Brasileiros”, do acervo do Museu Nacional desde 2006. Confeccionado por Glicéria Tupinambá, jovem liderança, professora e cineasta da aldeia Serra do Padeiro, da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia, este é o único manto Tupinambá em um museu no Brasil, réplica de um manto do século XVI que se encontra no Nationalmuseet, na Dinamarca.
O manto é um símbolo da memória e da resistência do povo indígena Tupinambá: sua história nos leva aos tempos remotos dos primeiros encontros com europeus que aportavam na costa brasileira e nos atualiza sobre a história recente de luta pelo reconhecimento da identidade e da terra indígena dos Tupinambá. Ele faz parte das histórias e das memórias deste povo, contadas incansavelmente pelos mais velhos e, ainda que soubessem a técnica de fazê-lo, as gerações contemporâneas não conheciam um único exemplar de um manto emplumado.
Em 2000, na Mostra do Redescobrimento, realizada em São Paulo, dois representantes dos Tupinambá, S. Aloísio e D. Nivalda, mãe da cacique Maria Valdelice dos Tupinambá de Olivença, puderam contemplar de perto um manto feito por seus antepassados. A vinda do manto para o Brasil suscitou um debate sobre a importância de sua restituição aos Tupinambá e motivou os jovens a refletirem sobre os objetos que fazem parte de sua história.
Com base em uma fotografia do manto que está na Dinamarca, a jovem Glicéria decidiu confeccionar uma réplica para presentear os Encantados na festa no dia 19 de janeiro de 2006. Contando com a ajuda de Zizinho (Wellington de Almeida) e com o apoio de toda a comunidade e orientação dos mais velhos,foi aprendendo as técnicas de confecção do manto. Adquiriu o fio de algodão cru, que seria encerado com cera de abelha e trançado na técnica do jereré, que ainda hoje é usada para confecção das redes de pesca. O trançado modelou a estrutura onde são presas as penas do manto. Pela raridade do pássaro guará nos tempos atuais, foram usadas penas de pássaros que podem ser encontrados em seu próprio território e que fazem parte da vida cotidiana dos Tupinambá, como pavões, gaviões, corujas, patos e galinhas.
Diferente dos outros seis mantos emplumados do século XVI que estão nos museus europeus, considerados “joias do colecionismo”, o manto do século XXI não é mais encarnado, mas tem os tons da terra e da mata do território Tupinambá, entre marrons, beges, brancos e verdes azulados. De dimensões físicas reduzidas, com 1,20 de cumprimento por 0,50 de largura, é gigante a importância simbólica e cultural deste objeto que não somente conversa e orienta, mas é uma fonte inesgotável de sabedoria para os Tupinambá.
O presente dos Encantados foi usado pelos pajés em cerimônias rituais, fazendo parte da Casa de Reza, onde era guardado. Ao serem consultados, os Encantados decidiram que o manto poderia ser doado para fazer parte da exposição “Os Primeiros Brasileiros”, se juntando a outros povos indígenas que formaram uma coleção contemporânea para o Museu Nacional. Em contrapartida à doação do manto à exposição, os Encantados pediram que outros três mantos fossem feitos, compromisso que Glicéria está cumprindo, completando atualmente o segundo dos mantos solicitados.
O manto doado ao Museu Nacional, protegido pelos Encantados, não foi atingido pelo incêndio que destruiu grande parte do acervo etnológico da instituição. Longe do Palácio da Quinta da Boa Vista, ficou a salvo no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, e representa a resistência e força da superação do povo Tupinambá.
Glicéria Tupinambá
Renata Valente
Setembro de 2021